A tecnologia deve ser o meio, não o fim das atividades que propomos aos alunos. A inovação não está no fato de levarmos um blog, um vídeo ou outros recursos para a sala de aula, mas no uso que fazemos deles.
É muito comum que os créditos pela inovação educativa sejam dados exclusivamente às tecnologias, mas temos que ter claro de que não é a tecnologia que inova por si só ou que beneficia a aprendizagem, e sim o uso que dela fazemos.
Em muitos momentos culpamos as tecnologias por serem complicadas ou por não atenderem às nossas necessidades, mas é necessário enxergar que ela em si não pode ser a heroína ou a vilã da história.
O papel do professor como mediador da aprendizagem é o mais relevante; é sobre ele que devemos refletir o tempo todo, inclusive para decidir quando usar ou não um determinado recurso. Há que se reconhecer como um grande desafio o próprio uso das tecnologias na educação: basta lembrar que existem escolas que, embora ofereçam inúmeros recursos aos alunos, ainda permanecem com laboratórios de informática fechados e equipamentos guardados.
O uso pelo uso da tecnologia pouco nos interessa: sem refletirmos a respeito da relevância de um ou outro recurso para o trabalho, continuaremos engatinhando na questão mais relevante: a melhoria da aprendizagem. Por essa razão, gostaria de listar algumas situações bem comuns com as quais já me deparei e propor uma nova reflexão a respeito.
Antes, ressalto ainda que muitas vezes trabalhamos demais e rendemos de menos quando optamos por uma prática focada apenas no esforço do professor e não na superação pela qual os alunos devem passar para que aprendam mais e se sintam desafiados. Vamos às análises:
- Preparar aulas para os alunos utilizando o computador
O preparo de “atividades” – seja no Excel, Power Point, ou mesmo em aplicativos específicos como JClic – toma um certo tempo do professor e, dependendo de como isso for feito, os alunos acabam resolvendo rapidamente a atividade e encontrando poucos desafios. Eu mesma já fiquei encantada com algumas produções minhas que envolviam software de autoria, até perceber que dependendo da proposta gastamos muito tempo para pouco resultado.
A grande questão é que os alunos precisam ser mais desafiados e todas estas tecnologias são muito simples para eles. Se o objetivo é que aprendam algo novo ou sistematizem algum conhecimento, por que criarmos apenas joguinhos se eles mesmos poderiam desenvolvê-los utilizando todos estes programas? Os alunos apresentam muita facilidade no uso das TIC, porém raramente são colocados em situações em que precisam criar perguntas e planejar respostas adequadas, o que é bem mais desafiador do que simplesmente resolver uma atividade de perguntas e respostas. Que tal propor que criem aulas interativas utilizando alguns softwares adequados e as troquem com os outros colegas?
Todos os anos participo como jurada de um concurso de software de autoria em que os alunos criam aulas a partir de pesquisas e compartilham o conteúdo produzido com outros alunos. É bacana ver quando eles mesmos contam como aprenderam a produzir o próprio sofware e o que aprenderam sobre o assunto pesquisado. Em experiências como esta, não é o professor que se preocupa com a tecnologia e sim os alunos que aliás, fazem isso muito bem. O papel do professor é justamente de orientador da aprendizagem, com foco no currículo e em todos os aspectos pedagógicos necessários para que a produção a ser feita seja coerente com os objetivos propostos.
- Trabalhar atividades interativas com os alunos
Antes de criar qualquer material, é preciso avaliar o que já existe. Atualmente temos diversos portais que organizam objetos educacionais e podem ser utilizados com os alunos. Muitas dessas atividades podem ser bem interessantes, mas sozinhas geralmente não são suficientes para garantir as necessidades de aprendizagem propostas pelas diferentes escolas. Sempre é preciso pensar como ir além do que foi proposto e que tipo de produção os alunos poderão realizar. Se o aluno apenas resolver as atividades, logo esquecerá o que foi trabalhado. Alguns portais disponibilizam planos de aula com o objetivo de ampliar o uso dos objetos – vale a pena consultá-los, adaptando-os à realidade de cada turma.
Em alguns momentos, a exploração de uma atividade interativa pode contribuir como uma sensibilização para um determinado tema ou assunto. Quem sabe o professor não consegue organizar um trabalho mais aprofundado em que os alunos possam mais tarde construir animações, vídeos ou objetos interativos que sejam aproveitados por toda a escola? O professor brasileiro Guilherme Erwin Hartung criou uma metodologia para isso utilizando um software bem bacana desenvolvido pelo MIT , chamado Scratch. Com este trabalho já foi finalista de dois prêmios (Microsoft e Instituto Claro).
- Corrigir textos que serão publicados ou apresentados pelos alunos
Elaborar atividades coletivas em blogs, jornais escolares e apresentações são uma ótima proposta, porém os processos de orientação da pesquisa, análise de informações, produção de texto e publicação são desafiadores para professores e alunos.
Há muitos educadores que preferem levar toda a produção feita pelos alunos para correção fora da presença deles. Além de bastante trabalhosa para o professor, a atitude pouco ajuda a turma a aprimorar seu trabalho. O ideal é realmente valorizar os processos de produção de texto, orientando-os durante a própria aula e incentivando que um ajude ao outro. Um checklist com todos os aspectos que deverão ser revisados na produção pode ser utilizado, o que fará com que fiquem mais atentos à própria produção e também à possibilidade de colaborarem com os demais colegas, aprendendo muito mais.
Se passar um ou outro “erro”, a grande vantagem da web é justamente a possibilidade de poder corrigi-lo a qualquer momento. Um texto publicado na internet nunca é perfeito, pois sabemos que sempre poderá ser modificado, aprimorado… Uma pena é que não guardamos este histórico como acontece na Wikipedia, que tem o grande mérito de deixar registrados online os processos de aprimoramento dos conteúdos produzidos por diferentes pessoas.
Grande parte dos blogs educativos, por exemplo, apresentam textos de qualidade surpreendente para a faixa etária da turma envolvida, mas até que ponto os alunos puderam aprender com a experiência? Que tipo de trabalho foi feito para que os alunos refletissem sobre o próprio processo de aprendizagem e buscassem aperfeiçoar suas produções? Quando são focados no trabalho do professor e não do aluno, esses processos de correção sobrecarregarem os educadores e pouco ajudam na aprendizagem.
- Propor uso de software ou site que o professor conhece
Geralmente acreditamos que devemos usar com os alunos apenas softwares ou serviços da web que dominamos tecnicamente, ou que aprendemos em algum curso. Essa estratégia somente dá certo quando o recurso realmente é o mais adequado para atender a objetivos já previstos no currículo e, ao mesmo tempo, é o melhor para atender às necessidades da turma.
Um exemplo é o uso do blog como plataforma de compartilhamento das produções dos alunos ou registro dos processos de aprendizagem. Acontece bastante, porém, de este recurso ser utilizado porque alguém acha que é “inovador” ou porque o professor aprendeu tecnicamente a criá-lo. Uma alternativa seria pedir que os alunos pesquisassem e sugerissem outras formas de compartilhamento das suas produções.
Pode ser que o ideal seja discutir um determinado conteúdo em uma rede social, ou produzir um blog colaborativo, ou um jornal mural… Pode mesmo ocorrer de o melhor ser não utilizar nenhuma dessas tecnologias, pois determinado projeto pode ser mais interessante se houver uma apresentação para a comunidade encenada em forma de peça teatral ou apresentação multimídia.
Insisto no entendimento de que a inovação não está no fato de levarmos um blog, um vídeo, o Scratch ou qualquer outra tecnologia para a sala de aula, e sim no uso que fazemos desses recursos.
Outro exemplo: durante uma oficina de vídeo que realizamos em um colégio bastante conhecido em São Paulo, em que uma professora iniciou a produção de animações a partir de desenhos dos alunos e de um roteiro de conto colaborativo, também totalmente produzido por eles. Ora, o vídeo por si só não é inovador, mas envolver os alunos em todas as etapas da produção, dentro de uma necessidade de aprendizagem e enriquecendo o trabalho com a produção de uma atividade de relevância social, é inovador para aquele contexto e para os alunos.
Nesse exemplo, a maior parte do tempo de dedicação do trabalho da professora foi investido em orientar e provocar os alunos para produzirem materiais. Imaginem quanto tempo ela gastaria se fosse escrever o roteiro, produzir as imagens e narrar o vídeo para ensinar algum conteúdo? Estratégias como estas permitem que o professor tenha mais foco no trabalho pedagógico e use as tecnologias adequadas no momento em que mais precisam delas, de acordo com as demandas da aula.
- Não sair da frente da lousa
A lousa tradicionalmente é reconhecida como um instrumento do professor. Em escolas em que trabalhei anos atrás, bom professor era aquele capaz de utilizar a lousa “passando bastante conteúdo”. Bom aluno era o que atendia também a esta expectativa, ou seja, copiava tudo bonitinho no caderno e prestava atenção.
Em outro extremo, às vezes não percebemos e ficamos muito encantados com tecnologias que parecem novas, mas não são nem tão novas assim, como é o caso da lousa digital. Obviamente os recursos que hoje temos nas lousas digitais são suficientes para gostarmos mais delas do que da lousa comum, mas não foram suficientes ainda para pararmos de utilizá-la da mesma forma que era empregado o quadro negro (ainda que eu pense que mesmo a antiga lousa pudesse ser usada de outra forma…).
O que ocorre é que a lousa digital é tão interessante que realmente poderia ser usada de modo mais interativo. Se os alunos gostam tanto dela, nós professores poderíamos provocá-los para que interagissem mais com os seus recursos. Atividades simples como propor desafios, navegar na web e fazer explicações em público deveriam ser mais utilizadas.
Outro aspecto a ser repensado são os conteúdos digitais expostos na lousa. A grande maioria é feita pensando na lógica dos computadores em laboratório de informática (ou mesmo em netbooks). Esta é uma falha imperdoável, pois para que a aula seja interativa as atividades precisam propor a resolução de desafios que sejam resolvidos em diferentes grupos, caso contrário o professor será um mero “passador de conteúdos digitais”, com a diferença de que ao invés de escrever na lousa vai apertar apenas os botões de avançar e voltar.
Temos realmente que avaliar o tempo gasto e os resultados efetivos de algumas atividades pedagógicas que realizamos. Será que estamos atendendo a objetivos menos importantes do que a aprendizagem dos alunos? Será que estamos realmente propondo situações desafiadoras à nossa turma ou meramente reproduzindo o que alguém já fez ou o que dizem que é “bom fazer”?
Artigo originalmente publicado no blog “Eu amo educar” em 2011. O blog não está mais no ar, mas pode ser localizado no web.archive: https://web.archive.org/web/20120103202937/http://blog.aticascipione.com.br/author/marygrace